Editorial
Que si
vous transportez en Espagne,
Alexis de Tocqueville |
Sob o desígnio do combate à exclusão social e
da erradicação da pobreza, a transição do milénio tem tornado mais visível
a fragilidade do modelo económico-político, ético e ideológico do capitalismo.
Como fenómeno planetário, porque globalizante, o crescimento dos lucros
e a concentração da riqueza das multinacionais, têm vindo a ser acompanhados
com a bem alimentada mundialização da incerteza: a crise dos sistemas
de protecção social. O optimismo científico que acompanhou os progressos
tecnológicos do século XIX e XX, e que marcou profundamente as ciências
sociais está de retirada. As consequências da pretensa neutralidade axiologica
das ciências, na versão mais conservadora do positivismo, não só contribuiu
para esconder dimensões importantes dos problemas sociais, como foi uma
garantia de legitimação ideológica dos modelos de acumulação com pobreza
e exclusão, e para negar a necessidade de uma prática de intervenção social
que devolvesse ao homem a sua humanidade arrebatada pela barbárie do capitalismo,
hoje travestido de novo. Por ocasião da “Expo 98”, no colóquio internacional
Portugal na Transição do Milénio, a professora Manuela Silva afirmava
que, na Europa o fenómeno da exclusão social atingia 57 milhões de seres
humanos (estimativa da Eurostat publicados em 1997)1 . E afirmava, que: Uma das características
deste final de século (e de milénio), nos países industrialmente avançados
e de democracia política consolidada, é o paradoxo de existir um generalizado
e profundo mal-estar sócio-político num contexto que é de abundância de
bens materiais e de um incrível e inimaginável progresso científico-tecnológico,
isto é, com condições aparentemente favoráveis ao bem-estar de todos os
cidadãos e à paz social. (Silva:1998, 280). Também Bruto da Costa, rejeitando a solidariedade
das sobras e propondo uma solidariedade esclarecida, identifica
a pobreza e a exclusão social como um problema político central (maior)
e afirma que uma política social que lhe negue prioridade é necessariamente
uma política menor. 2 Calculando a dimensão deste problema como
afectando dois milhões de portugueses, afirma que é um problema político,
ainda, pela sua relação com o poder. Além do mais, o pobre é alguém destituído
de poder. A luta contra a pobreza tenderá por isso, a restituir-lhe o
poder que lhe pertence e lhe é necessário para o exercício pleno da cidadania.
(Costa:1999,291). A este propósito, à falta de poder dos cidadãos,
Yehezkel Dror, autor do Informe do Clube de Roma, afirmava que apenas
10.000 pessoas tomam o 90 % das decisões em questões vitais sobre o
futuro da humanidade.3 Empowerman não
é um conceito inútil, mais uma “americanize” da sociologia política de
finais de século. Pode estar neste ponto, o processo de devolver aos
excluídos o poder arrebatado. A questão da construção de sociedades participativas,
que incluam todos os cidadãos, tem vindo a configurar a nível de alguns
intelectuais, uma tendência teórica e prática: a conspiração democrática
(Maturana). Para Manuela Silva a existência da exclusão social,
põe em causa a viabilização e sobrevivência da própria democracia, onde
a necessidade de novas coordenadas definidoras de uma indispensável engenharia
social que leve à contenção deste problema e à superação dos seus factores
causais. Tal engenharia supõe, em minha opinião, que despontem novos
actores sociais investidos de poder de intervenção (Empowerman)
e se afirme uma nova cultura de cariz solidário, ecológico, participativo
e responsável.( Silva:1998,274). Das coordenadas que esta autora sublinha
para orientar esta nova engenharia social, enfatiza a criação de
novas instancias de regulação internacional, a responsabilização das multinacionais
pelos custos das suas escolhas e o fortalecimento e reorganização da sociedade
civil para uma nova intervenção social. (Idem) O debate sobre a exclusão social vêm a recolocar
as questões levantados pelo movimento de reconceptualização nos anos 60,
no interior das reflexões dos trabalhadores sociais, a propósito da centralidade
do objecto e dos objectivosdesta profissão. O movimento de reforma social de
início de século XX, nos Estados Unidos, Chicago, liderados por Jane Addams,
Florence Kelley e outras colegas da Hull-House, assumiu o compromisso
público, através de uma plataforma política que contemplava o combate
à filosofia do Darwinismo Social, o combate à pobreza, exigindo um intervencionismo
estatal, especialmente a partir dos municípios, o fim do trabalho infantil,
a regulamentação do trabalho das mulheres, ao desenvolvimento de esquemas
mutualistas e cooperativos de protecção social, especialmente o trabalho
fabril doméstico, as oito horas de trabalho. O ponto de partida, desta
plataforma , influenciada por Leão Tolstoi foi a sua crítica à violência,
e especialmente à cultura militarista, alimentada antes da I Guerra Mundial:
daí o seu forte cunho pacifista e feminista. Era o compromisso do trabalho
social com futuro da humanidade. Resta perguntarmo-nos, hoje, início do
Sec. XXI qual é o compromisso com o futuro deste milénio. Estudos & Documentos-Revista Internacional
de Trabalho Social, reúne neste exemplar um conjunto de artigos e
documentos críticos que podem contribuir para o estudo e debate dos profissionais
de dois temas candentes de primeira ordem: a situação presente do Serviço
Social, ano 2000 e as Questões da Reforma da Segurança Social. 1999: Trabalhadores Sociais Comprometidos com o
seu Futuro é um trabalho elaborado por B. Henríquez C., para este número
de Estudos & Documentos - Revista Internacional de Trabalho Social.
Apresenta dados actualizados sobre o panorama do Trabalho Social em Portugal,
no plano das titulações, das investigações e da actual produção na nossa
área. Por fim, o panorama das actuais licenciaturas de Serviço Social.
Diagnóstico: optimismo reservado. O Professor Doutor Vicente de Paula Faleiros, abordando
no seu estudo o contexto mundial e a questão das Reformas da Segurança
Social, centrando a sua análise no caso do Quebeque oferece-nos um estudo
à altura dos seus trabalhos que fizeram história junto dos profissionais:
Saber Profissional e Poder Institucional (1985) e Estratégias
em Serviço Social (1997), ambos editados pela Cortez. Vicente Faleiros
tem mais de uma dezena de livros publicados em áreas diversificadas da
Política Social e Serviço Social. Formou-se em Serviço Social em 1965,
em Ribeirão Preto. Posteriormente realiza estudos em Economia (1967) e
faz o seu doutoramento em Sociologia, na Universidade de Montreal (1984).
Mais tarde trabalha com Pierre Rossanvallon, no seu percurso de pós-doutoramento
(1991). Trabalha na Universidade de Brasília como professor titular.
Hoje é consultor e investigador na área da Infância e da Juventude, bem
como em Política Social. Membro da Comissão de Aconselhamento do CPIHTS. Continuando com o dossier de Segurança Social, neste
número reunimos os contributos de três especialistas que participaram
na Comissão do Livro Branco e nos debates organizados pelo CPIHTS – Projecto
Atlântida, sobre o Livro Verde da Segurança Social: Juntamos a estes trabalhos, um artigo do jornal
público da autoria de João Ramos, que foi distribuído nos debates. Finalmente Estudos & Documentos-Revista Internacional
de Trabalho Social, publica três documentos que podem ser utilizados
como material de trabalho: Estatutos do CPIHTS, Declaração de Lisboa e
o Protocolo de Cooperação CPIHTS e Associação de Profissionais de Serviço
Social – APSS. B. Alfredo Henríquez C.
1Silva,
Manuela, Integração e Exclusão Social: Portugal e as duas Europas da Europa
, in Portugal na transição do Milénio, Colóquio Internacional, Lisboa,
1998, Fim de Século/Margens. |
Home | |